Em entrevista exclusiva para o Sechat, Thales Nascimento, homem trans, revela como o uso medicinal de cannabis o ajudou nas crises de pânico e ansiedade decorrentes da patologia
Histórias em que a cannabis auxiliou crianças com Epilepsia, idosos com Alzheimer ou Parkinson e pessoas de todas as idades com depressão ou insônia já são bastante comuns. Mas, a história de Thales Nascimento, homem trans – que foi designado ao sexo feminino quando nasceu, porém se atribui ao gênero masculino – chama a atenção, pois a planta o ajudou não só com as crises de pânico, ansiedade e depressão, mas também a aceitar a sua doença.
Sua história começa no Rio de Janeiro, onde nasceu. Em 2021, foi diagnosticado com Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), que segundo ele, contribuiu para o desenvolvimento de depressão, ansiedade e crises de pânico.
A alteração, segundo os especialistas, se caracteriza pela presença de dois ou mais estados de personalidade distintos, que normalmente está relacionada a algum trauma de infância, onde a pessoa busca distanciar-se de lembranças ruins. Há casos, como o de Thales, que o transtorno pode levar as pessoas a causarem um mal contra elas mesmas.
Após alguns anos de sofrimento devido às constantes crises psicóticas, chegando ao ponto de se automutilar e tentar suicídio por quatro vezes, hoje, com 27 anos, Thales atribui a sua vida à cannabis. Isso porque há aproximadamente 1 ano, ele procurou a ajuda de um especialista através da Associação Brasileira Macaé Medicinal (ABRAMAM), que auxilia pacientes com apoio jurídico, médico e atendimento humanizado, fornecendo tratamento com canabinoides de qualidade àqueles que precisam.
Dessa maneira, a instituição não governamental sem fins lucrativos, o encaminhou para um psiquiatra que indicou o uso medicinal da cannabis, até então uma novidade para Thales.
Resolvi fazer o uso pois, após muitas pesquisas, vi o benefício que os derivados da cannabis poderiam proporcionar. Eu tomava, em média, oito comprimidos diários na tentativa de controlar as crises e os mesmos me deixavam completamente dopado. Já cheguei a dormir 13 horas seguidas. Quando comecei a tomar o óleo de CBD, pude desmamar de todas as outras medicações, ficando apenas com ele. Hoje, graças ao óleo (com apenas uma semana de uso) eu parei de ouvir vozes, parei com a auto-mutilação, voltei a ter um sono regulado e minhas crises de ansiedade diminuíram drasticamente.
O medicamento utilizado por ele é um óleo full spectrum rico em CBD e com pouquíssimo ou quase nenhum teor de THC, princípio ativo da cannabis que não é recomendado em casos de TDI. Lembramos também, que cada pessoa possui um Sistema Endocanabinoide (SEC) diferente, sendo necessário o acompanhamento clínico para avaliar qual composto e qual dosagem é melhor para seu tipo de patologia. Além disso, para adquirir esses produtos é necessário receita médica de profissional capacitado.
A experiência positiva de Thales com a cannabis faz com que ele seja categórico ao indicar o tratamento para outras pessoas:
“Não só indicaria, como indico. Pois o óleo, literalmente, salvou a minha vida. Antes dele, tentei suicídio algumas vezes e eu já não tinha mais perspectiva sobre o meu futuro. Hoje, tenho qualidade de vida e minhas crises desapareceram.”
Além do medicamento à base de cannabis, Thales revela que, por conta do desespero, tentou tudo o que indicavam para ele, mas foi o acompanhamento médico do psicanalista juntamente com seu psiquiatra que o ajudaram a se manter são durante a terapia canábica.
Sobre os custos e os acessos desses medicamentos no Brasil, ele revela que primeiro é preciso desmarginalizar os compostos da planta.
Sempre que falo para alguém que faço uso do óleo, me perguntam se fico ‘chapado’ ou algo assim, o que não é o caso. Existem diversos produtos oriundos da cannabis no mercado, o que precisamos saber é qual se adequa melhor a nossa necessidade. Além disso, obviamente, precisamos lutar para que o óleo seja fornecido pelo SUS assim como qualquer outro remédio, desmistificando preconceitos e garantindo o acesso às classes mais vulneráveis da população.
O preconceito ainda existe no Brasil e, muitas das vezes, é gerado pela ignorância (falta de conhecimento), relata Thales que justifica:
Pensar em acesso democratizado desses medicamentos nesse momento no país, é um pensamento imensamente utópico, mas não impossível. Projetos de Lei como o 399/15, aprovado pela comissão especial em 2021, é somente um passo para a regulamentação da cannabis no Brasil, temos um caminho longo ainda pela frente, mas muitas pessoas estão dispostas a percorrê-lo, inclusive eu sou uma dessas pessoas.
Apesar de todos os entraves legislativos e judiciais que norteiam o tema no Brasil, de acordo com dados do Hospital Israelita A. Einstein, existem aproximadamente 150 mil pessoas que sofrem com o distúrbio por aqui. Casos como o de Thales, servem para fortalecer e comprovar os benefícios do uso medicinal da cannabis, quebrando preconceitos retrógrados que afetam nossa sociedade a respeito da planta.
Quem sabe assim, mostrando a realidade da eficácia dessa terapia, médicos e pacientes que ainda são contrários ao tratamento possam enxergar o quão importante essa pauta pode ser para o futuro da medicina alternativa, que traz bem estar e qualidade de vida para aqueles que precisam, com o mínimo de efeitos colaterais.
Publicação original: https://www.sechat.com.br/cannabis-salva-vida-de-paciente-com-transtorno-dissociativo-de-identidade-tdi/