Por GE-Globo em 07/11/2021
Pedro Barros, Bruno Soares e estrelas paralímpicas citam benefícios da substância, que ainda carece de estudos clínicos para comprovação de eficácia no alto rendimento, mas é liberada pela Wada
São três letras que estão cada vez mais no dia a dia dos principais atletas olímpicos e paralímpicos do país: CBD. Que nada mais é do que a sigla internacional estabelecida para o canabidiol, um das mais de cem substâncias encontradas na planta cannabis – nome científico da maconha.
– Eu gosto de fazer o uso diário e realmente como algo que eu levo não como um medicamento, mas como um suplemento – afirmou o skatista Pedro Barros, vice-campeão olímpico na modalidade park e multicampeão nos X-Games.
Discursos como o de Pedro Barros têm se multiplicado no meio esportivo porque o canabidiol confere a quem o utiliza, segundo os relatos, melhorias em dores crônicas e aspectos emocionais. E seu uso é permitido pela Agência Mundial Antidoping, a Wada, desde 2018 – diferentemente do THC (tetrahidrocanabinol).
Em resumo, enquanto o THC tem propriedades psicoativas que causam alterações nas funções cerebrais (ou, para usar uma expressão popular, é ele que “dá o barato”), o CBD não tem efeito narcótico.
– O que o canabidiol pode fazer é melhorar aspectos que podem prejudicar o desempenho, tipo dor crônica ou tipo exaustão emocional. Ou melhora de problemas crônicos persistentes de sono – disse o médico Francisco Guimarães.
Guimarães é professor titular de Farmacologia da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto. A universidade tem a maior produção científica mundial sobre o canabidiol. Já é comprovado que a substância auxilia no tratamento de epilepsia e atenua alguns sintomas da esclerose múltipla. Mas, no alto rendimento, apesar dos relatos favoráveis, as pesquisas ainda não são conclusivas.
– Não existe um estudo clínico com atletas de alto rendimento verificando o efeito do canabidiol. Então eu, como médico, você me pergunta: “você indicaria o canabidiol?”. Não indicaria como um medicamento de primeira escolha. Por quê? Porque não existem esses estudos. Agora, com um sujeito que está sob supervisão médica, tentou outras abordagens e não estão funcionando, acho que é uma tentativa possivelmente válida – complementou o médico.
Ainda assim, o uso tem sido amplamente difundido. E cada vez mais se escutam relatos positivos dos competidores. Entre eles o de Bruno Soares, que viaja o mundo todo pra disputar o circuito mundial de tênis (ATP) e foi justamente pela qualidade do descanso que recorreu ao CBD.
Um dos principais duplistas do tênis na última década e multicampeão de Grand Slams, ele tem recorrido à substância desde 2019.
– Eu fui ao longo do tempo testando várias formas. Hoje eu uso desde o comprimido, a balinha, o creme, da pomada, do patch. Eu uso de todas as formas e sinto uma diferença, sim. Quando você toma um remédio para dormir, ele é muito mais potente, é um nocaute, isso é uma coisa que eu nunca gostava porque eu sempre pensava: “cara, é muito agressivo no corpo isso aí, se ele está te nocauteando desse jeito não pode ser uma coisa tão boa”. A primeira pergunta geralmente é: “mas e o doping”, aí eu falo que não, o CBD é legalizado há muito tempo. Eu espero que isso, mais cedo do que tarde, comece a ser uma coisa normal no nosso dia a dia – comentou Soares.
Entre os atletas paralímpicos, a utilização é até maior. Duda Oliveira, do vôlei sentado, e Susana Schnarndorf, da natação, estão entre as supostas beneficiadas.
– No vôlei sentado você faz tudo com os braços, você tem que deslocar, dar toque, atacar, levantar, e é uma sobrecarga gigantesca. Então para a gente, é natural sentir dor. Só que, com o tratamento do CBD, elas foram diminuindo. E, com o tempo, desaparecendo – contou Duda, medalhista de bronze nas Paralimpíadas de Tóquio.
Pentacampeã brasileira de triatlo na década de 90, Susana foi diagnosticada com síndrome de Shy-Drager, uma doença degenerativa que ataca o sistema nervoso e paralisa diversos músculos do corpo. Chegou a escutar que teria no máximo mais dez anos de vida. Só que já se passaram 15, e ela segue a competir em alto nível.
– Minha qualidade de vida mudou muito. Eu vivia dependente de remédio como Rivotril, Lexotan, esses para ansiedade. Eu tinha muita depressão; já fiquei 21 dias sem sair do meu quarto, 40 dias sem sair de casa. Depois do CBD, consegui controlar para não cair no buraco de novo – assinalou a nadadora.
Mesmo com muitos estudos ainda em andamento, no exterior as vendas de produtos relacionados ao canabidiol dispararam nos últimos anos. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse mercado tinha faturado US$ 358 milhões até 2017 (cerca de R$ 2 bilhões). Em 2018, bateu US$ 512 milhões (R$ 2,8 bilhões). E, pelas taxas atuais de crescimento, deve arrebatar quase US$ 20 bilhões (R$ 112 bilhões) até 2025.
Esses valores vultosos chamaram a atenção de Bob Burnquist, lenda do skate brasileiro e mundial, que fundou uma empresa nos Estados Unidos pra comercializar insumos à base de plantas e que tem o canabidiol como principal produto. O óleo é a forma mais comum de venda, mas, no exterior, é possível encontrá-lo em cremes, shampoos, balas, chocolates, bebidas e até para animais de estimação.
– Eu resolvi investir no CBD porque senti que seria parte de uma solução necessária. Se eu estava passando pelo que eu passei, sempre me recuperando, eu senti que o CBD poderia me ajudar e ajudar muitas pessoas – afirmou.
No Brasil, é preciso de prescrição médica para a compra, seja online ou em farmácias. Até hoje, apenas cinco produtos com canabidiol foram aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) – o último deles só foi liberado no final de outubro.
Se uma pessoa não encontra o que precisa, a agência também permite a importação, e o número de solicitações não para de aumentar: em 2015, foram 900 pedidos; em 2021, já são mais de 22 mil.
– O tema foi recentemente regulamentado pela Anvisa, em dezembro de 2019. Então, acreditamos que ainda temos um número pequeno de produtos porque de fato as empresas estão se preparando para isso e fazendo o desenvolvimento desse produto – comentou João Paulo Perfeito, gerente da Agência.
– Eu acho que é um conjunto de resultados muito promissores, é uma substância que tem muito potencial em vários aspectos. Esse potencial vai sendo estudado inicialmente com modelos animais e eventualmente isso vai evoluir para estudos clínicos – ponderou o professor Francisco Guimarães.
Publicação Original: https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/canabidiol-medicamento-extraido-da-maconha-ganha-forca-entre-icones-do-esporte.ghtml