Frente parlamentar em defesa da cannabis quer remédio com canabidiol no SUS e planeja experimento com plantio

Primeiro grupo de deputados sobre tema foi formado este mês na Assembleia de São Paulo. Frente trabalha para quebrar preconceito contra remédio com princípio da maconha

Por  O Globo 

SÃO PAULO — A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) lançou, no último dia 20, a primeira frente parlamentar em defesa da cannabis medicinal do país. Formado por 21 parlamentares de 12 partidos, o grupo busca a aprovação de um projeto de lei que obriga o governo estadual a distribuir de graça, para pacientes que não têm como pagar, medicamentos à base de canabidiol que já têm autorização da Agência Nacional de Vigilância Santária (Anvisa).

Também estão no radar da frente a realização de pesquisas sobre medicamentos e a aprovação de uma licença para testar o plantio da planta da maconha em pequena escala. O experimento serviria para medir a arrecadação com impostos da produção dos remédios e o impacto social da sua produção. O projeto sugerido pela frente parlamentar não prevê qualquer relação com o uso da cannabis como droga recreativa.

Médicos que estudam o assunto apontam que a cannabis medicinal pode ser utilizada para reduzir dores crônicas e aliviar sintomas de outras doenças e condições médicas, como autismo, mal de Alzheimer, doença de Parkinson, psoríase, depressão, ansiedade, insônia, esquizofrenia e artrite.

As principais indicações dos remédios, no entanto, são para a epilepsia e a esclerose múltipla, diz o neurocirurgião Pedro Antonio Pierro Neto, que trabalha com o uso medicinal da cannabis desde 2014, quando a Anvisa deu os primeiros passos para regulamentar a prática no Brasil. Segundo ele, a cannabis ajuda a controlar as crises da epilepsia, diminuir os espasmos da esclerose múltipla e os tremores e transtornos emocionais causados pelo Parkinson.

— Mesmo para pessoas saudáveis, a cannabis pode ser muito boa. Basta ver os atletas olímpicos que usaram canabinoides não psicoativos antes, durante e depois das provas e conseguiram melhorar a ansiedade e aliviar a dor — afirma Pierro Neto.

O projeto de lei que prevê a distribuição gratuita de medicamentos que usam um dos princípios da maconha no estado de São Paulo é de autoria do deputado Caio França (PSB) e está atualmente em discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Casa. O texto enfrenta resistência de parte dos parlamentares conservadores, principalmente os evangélicos.

A proposta facilita o acesso de quem não tem dinheiro para importar os medicamentos e acaba precisando recorrer à Justiça, o que leva tempo. Se aprovado o projeto, qualquer pessoa com prescrição médica assinada por um profissional habilitado poderá retirar o medicamento no SUS.

Os defensores do PL argumentam que a reserva de uma fatia do orçamento para a compra desses remédios evita o sofrimento das famílias que têm como única alternativa terapêutica esses medicamentos. Além disso, traria economia aos cofres públicos, por evitar a judicialização e permitir uma compra antecipada.

— O principal argumento que ouvimos é que o projeto é só uma forma de liberar o plantio, uso e legalização da cannabis, o que não é verdade — diz o coordenador da frente, o deputado Sergio Victor, líder do Novo na Alesp. — Por isso vamos trabalhar o diálogo e o engajamento, para combater esses preconceitos e angariar apoio para a pauta seguir adiante.

Além de figuras ligadas à igreja, o calendário de eventos da frente parlamentar inclui uma série de discussões com cientistas, associações de cultivo e familiares de pessoas que usam os medicamentos para tratar de doenças como fibromialgia e alzheimer.

Apesar de a importação dos remédios ser permitida, o cultivo da planta, ainda que para fins medicinais, é proibido no Brasil. Um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados busca legalizar o cultivo para uso medicinal e industrial. Em junho deste ano, a comissão especial que discute o assunto aprovou a proposta após vários adiamentos.

Um dos objetivos da frente parlamentar é exatamente o cultivo da planta. Segundo Sergio Victor, o grupo vai tentar aprovar o chamado “sandbox regulatório”, uma licença para testar novos projetos que ainda não têm previsão legal. A autorização permitiria colocar em prática uma experiência controlada com o plantio de cannabis para medicamentos, o que ajudaria a medir o impacto de arrecadação de impostos e na comunidade, já que um dos argumentos de quem se opõe à ideia é que a liberação do plantio poderia aumentar o número de usuários de maconha.

Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2021, cerca de 200 milhões de pessoas consomem maconha como droga recreativa no mundo, número que aumentou em cerca de 18% nos últimos dez anos. No Brasil, de acordo com o último Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aproximadamente 7,7% dos brasileiros de 12 a 65 anos já usaram a substância ao menos uma vez na vida.

O fomento à pesquisa também será prioridade da frente, que quer dar mais segurança jurídica ao uso da cannabis para fins medicinais. A ideia é arrecadar verba a partir de emendas parlamentares e de contribuições da iniciativa privada e da academia.

— Há um número crescente de pessoas que poderiam ter uma melhora rápida de qualidade de vida com esse tratamento, mas acabam encontrando uma burocracia enorme pela frente. Sendo a maior assembleia do país, serve como apoio crucial para que a pauta ganha velocidade também no Congresso — disse o coordenador do grupo.

Resistência no Congresso

Se na Alesp a aprovação da frente demorou pouco mais de um mês e conseguiu reunir diferentes partidos políticos, no Congresso a pauta encontra resistência. Bruno Pegoraro, presidente do Instituto de Pesquisas Sociais e Econômicas da Cannabis, participa da articulação na Câmara dos Deputados e disse que até agora tem 37 das 198 assinaturas necessárias.

O instituto apoia a elaboração de legislações pelo país e realiza pesquisas e estudos. Um deles foi realizado este ano pela Civi-Co, polo de negócios de impacto cívico-sócio-ambiental, e concluiu que 70% da população apoia o uso medicinal da cannabis. A pesquisa ouviu 1 mil pessoas de todo o país, entre homens e mulheres, acima dos 18 anos, e das classes sociais A, B1, B2, C1 e C2.

— Nós temos evidências do benefício da cannabis em várias enfermidades, mas as principais são a dor crônica, epilepsia e parkinson. Temos feito esse trabalho de conversar com políticos locais para aumentar esse tipo de discussão e trazer projetos que apoiem o uso da cannabis medicinal no tratamento de saúde pública — afirmou ao GLOBO.

publicação original: https://oglobo.globo.com/saude/frente-parlamentar-em-defesa-da-cannabis-quer-remedio-com-canabidiol-no-sus-planeja-experimento-com-plantio-25253020

 

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