OAB cria primeira Comissão da Cannabis do país

A primeira Comissão de Cannabis Medicinal de todo o sistema da Ordem dos Advogados do Brasil, tem como missão preparar profissionais para atuar na área, assim como promover seminários e trabalhar pela regulamentação da planta no país

Por Sechat 

O presidente da recém-criada Comissão da Cannabis, Rodrigo Mesquita, conversou com exclusividade com o portal Sechat sobre a iniciativa de vanguarda que vem sendo construída e idealizada há alguns anos. De acordo com o advogado, a comissão temática vai atuar de forma autônoma e permanente para promover debate, informação e capacitação dos jovens profissionais que desejam atuar na área, assim como fornecer subsídios técnicos para o processo de regulamentação do cultivo para fins médicos e científicos. A Comissão da Cannabis foi criada pela subseção da OAB do Paranoá e Itapoã, no Distrito Federal, e tem como propósito servir de exemplo para que a ação seja  replicada nos demais estados do país. 

– Dr. Rodrigo, a criação da Comissão da Cannabis é um avanço dentro da Ordem dos Advogados do Brasil, não é mesmo?

Sim, nós criamos agora na subseção do Paranoá/Itapoã, aqui no Distrito Federal, a primeira Comissão da Cannabis Medicinal de todo o sistema da OAB. A OAB já promove esse debate há algum tempo. Eu tenho feito essa discussão no âmbito do Conselho Federal da OAB, sobretudo nos últimos três anos da última gestão, quando participei da Comissão de Assuntos Regulatórios. Aprovamos no plenário da entidade em 2019 o apoio à regulamentação do cultivo para fins médicos e científicos. Realizamos dois seminários nacionais, um no mesmo ano da aprovação, e outro recentemente em 2021. Neste novo triênio, institucionalizamos para ter um espaço de discussão sobre a regulamentação da cannabis de maneira permanente dentro da OAB, e a ideia é que essa experiência se multiplique Brasil a fora.

– A ideia é fomentar o debate, seminários e congressos com organismos internacionais, assim como promover capacitação profissional?

Isso mesmo. A Comissão da Cannabis é um espaço para a formação da advocacia, sobretudo a jovem advocacia que tem interesse, ou para quem já atua nesse setor. Queremos dar subsídios para que os profissionais possam atuar com melhor consistência, para dar segurança jurídica aos pacientes, empresas e associações. E também prestar auxílio e informação para a comunidade.

– Hoje, como o senhor avalia esse setor da cannabis no mercado do Direito? É promissor?

É um setor bastante promissor e também apaixonante! Já são muitos advogados e advogadas que atuam nessa área, seja no movimento social, seja no setor produtivo. A regulamentação da cannabis medicinal no Brasil e a alteração do regime regulatório da cannabis se deve muito à atuação de advogados e advogadas na judicialização de pedidos de importação de CDB, como começou lá atrás em 2013 e 2014. Mais recentemente, com os pedidos de expedição de salvo conduto em habeas corpus para as pessoas que precisam cultivar a própria cannabis para manutenção do seu tratamento e na assessoria de associações e empresas. Então, já existe um setor econômico, já existe uma área de advogados e advogadas desde o início. Nós ajudamos a abrir esses caminhos! Nossa missão é abrir esse mercado, levar dignidade para as pessoas, criar postos de trabalho, espaços de empreendimento, gerar impostos, mobilizar a economia e ter, também, uma nova área de atuação para os advogados. Esse é um dos nossos propósitos na Comissão. Demonstrar que isso existe é um reconhecimento institucional da importância dessa advocacia, e assim ampliar isso para mais pessoas.

– A ideia também é levar essa mobilização para dentro do Congresso?

Certamente, o Distrito Federal é a capital do país. A Comissão ao mesmo tempo tem essa possibilidade, essa chance de levar informação, e mais do que isso, a responsabilidade, estando em Brasília, de poder estabelecer o diálogo com essas instituições em nível federal, mas também em nível local. O Distrito Federal tem duas leis a respeito do tema. Uma garante a dispensação de produtos derivados de cannabis via SUS. Tem uma outra lei, mais recente, para fomento de pesquisa com cannabis medicinal no DF. Essa lei ainda está pendente de regulamentação e a nossa Comissão também se dedicará a estabelecer um diálogo com o poder executivo local para auxiliar e levar conhecimento técnico para a regulamentação desta lei, fazendo que ela possa ser implementada em definitivo.

– Como o senhor avalia o PL 399/2015 que regulamenta o cultivo da cannabis em solo brasileiro para fins medicinais e industriais?

O PL 399 é a síntese do trabalho de diversos atores, sociedade civil organizada, do setor produtivo, da academia… Eu acompanhei de muito perto o trabalho da Comissão Especial, sei que o texto aprovado até aqui tem seus limites, mas é um avanço importante. É um avanço que acontece sobretudo, em razão da mobilização da sociedade. E é assim que tem que ser! Esse é um ano eleitoral, eu acho difícil entrar na pauta, não parece haver a intenção da presidência da Câmara de pautar esse ano. Até em razão dos ânimos, não parece estrategicamente ser viável a aprovação do PL. Mas eu tenho esperança de que na próxima legislatura, em 2023, esse Projeto de Lei tenha um novo impulso. Espero que seja aprovado, que vá para o Senado, vire lei e que a gente consiga regulamentar, enfim, aquilo que tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte já estabelecem desde, pelo menos, 1961 que é a regulamentação do cultivo para fins médicos e científicos. Não faz sentido que a cannabis medicinal no Brasil já seja reconhecida, que já tenhamos normas da Anvisa garantindo isso, mas essa fase específica da cadeia produtiva do cultivo não esteja regulamentada. O Brasil ser obrigado a importar insumo que é derivado de uma commodity agrícola – da qual somos experts – é um absurdo, me parece até inadequado frente às nossas normas constitucionais e o princípio da soberania nacional que informa a ordem econômica como está na nossa Constituição.

– A Justiça já tem autorizado o cultivo em solo brasileiro. Isso já é uma realidade e muitos parlamentares não sabem. Na omissão, a justiça tem legislado, correto?

Não há vácuo na política, uma demanda como essa que vem da sociedade de forma tão intensa encontra vazão de alguma maneira. E tem encontrado vazão no poder judiciário, que também tem uma visão conservadora sobre o tema. São passos muito limitados que nós damos, mas são passos muito importantes que já permitiram trilhar um caminho até aqui. Se por um lado essa judicialização permite esses avanços, ela também eleva o custo desses acessos. Só quem pode ir ao judiciário é quem pode enfrentar os custos, seja um paciente que tem que cultivar em casa, seja uma empresa, seja uma associação, existe um custo elevado, um tempo para amadurecimento desses processos, então não é algo rápido, demora. Nós poderíamos reduzir bastante esses custos se o parlamento brasileiro fizesse seu papel de aprovar uma lei nesse sentido. Porém, a rigor, essa é uma matéria de competência do poder executivo, o próprio Ministério da Saúde já poderia ter regulamentado o cultivo da cannabis para fins médicos e científicos, como está no decreto regulamentador da Lei 11.343/2006, a chamada Lei de Drogas. Entretanto, o Ministério da Saúde diz que não é competente, e empurra a competência da Anvisa. Só que quando a Anvisa deliberou a respeito do tema, disse que a competencia é do Ministério da Saúde.

Houve então a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no Supremo Tribunal Federal, já com parecer da Procuradoria Geral da República, pela declaração de omissão constitucional de regulamentar essa lei. Porém, o STF também não julga. Há uma paralisia dos poderes que não têm permitido um avanço na velocidade, não apenas na que a gente gostaria, mas na que a sociedade demanda e que os pacientes precisam. É importante olhar o copo meio cheio, já caminhamos um bom percurso e tenho a sensação de que no próximo período avançaremos ainda mais. A nossa comissão tem esse propósito e queremos que essa experiência se multiplique  Brasil afora.  Quem sabe uma Comissão Nacional para que possam pautar esse tema com mais intensidade para acelerar esse processo, ser o catalisador, encontrar uma regulação ótima que atenda a todos os interesses legítimos, sobretudo dos pacientes – os destinatários finais – mas também a quem se dedica economicamente, as empresas que provém o acesso, que produzem esses remédios, que investem em tecnologia. Também as associações, que têm um trabalho excepcional de acolhimento, de organização, de formação, de representação dos pacientes e seus familiares.  Na intersecção de todos legítimos interesses termos a melhor regulamentação possível.

Confira a entrevista completa:

https://youtu.be/myDQnufige4

Publicação Original:
https://www.sechat.com.br/oab-cria-primeira-comissao-da-cannabis-do-pais/

 

 

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