Desordem neurológica provoca movimentos involuntários em partes do corpo e atinge 65 mil pessoas no Brasil
As vantagens do uso de Cannabis medicinal no tratamento de dores e inflamações já são amplamente conhecidas. Agora, um novo estudo indica que a substância pode ser usada também em pacientes com distonia, doença neurológica que provoca movimentos involuntários em partes do corpo e atinge cerca de 65 mil brasileiros.
Pouco conhecida do grande público, a distonia é a terceira desordem de movimento mais comum no mundo, ficando apenas atrás da doença de Parkinson e dos tremores essenciais. A dificuldade do diagnóstico contribui para que seja ignorada por grande parte da sociedade — isso porque apenas em um 1/3 dos diagnósticos é possível reconhecer algum fator desencadeante; no restante, a causa continua sendo uma incógnita.
Um caso notório de distonia é do maestro João Carlos Martins, que percebeu os primeiros sintomas aos 13 anos de idade, mas só veio a ter um parecer definitivo anos mais tarde, aos 18. Seu diagnóstico é de distonia focal, que afeta uma parte específica do corpo — no caso do maestro, as mãos.
A distonia ainda pode se manifestar como segmentar (em duas ou mais partes próximas do corpo), multifocal (duas ou mais partes do corpo que não são próximas), hemidistonia (um lado do corpo) e generalizada (acometendo o tronco e pelo menos mais duas partes do corpo). Qualquer área do corpo é vulnerável à distonia — mãos, pernas, olhos, cordas vocais —, e, em casos raros, a doença pode progredir até deixar o indivíduo imobilizado.
Novo estudo indica possível tratamento
Apresentado no Congresso Internacional Virtual da Sociedade de Doença de Parkinson e Desordem de Movimento, em 2021, o novo estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Tel-Aviv indica que adultos com distonia que utilizam fitocanabinoides experimentaram uma melhoria significativa em dores e sintomas associados à desordem.
Os benefícios são possíveis graças à interação da Cannabis medicinal com a glândula basal, localizada na base do cérebro. Com a ativação dos receptores canabinoides, a glândula passa a produzir ácido gama-aminobutírico, neurotransmissor conhecido na literatura científica pela sigla em inglês GABA, e responsável por bloquear impulsos entre células nervosas e o cérebro.
Vinte e três pessoas participaram do estudo, entre elas 12 homens e 11 mulheres. Os pacientes tinham idade média de 52,7 anos, e 9 tinham distonia generalizada; 6 distonia focal; 5 distonia segmentar; 2 hemidistonia; e 1 distonia multifocal. Seis dos participantes tinham distonia decorrente da doença de Parkinson, 4 por fatores monogenéticos, e 13 por causas desconhecidas.
Melhoria de qualidade de vida e alívio da dor
Na média, os pacientes já realizavam tratamento com Cannabis medicinal pelo período de 1 a 2,5 anos, fazendo uso de compostos de tetrahidrocannabinol (THC) e cannabidiol (CBD). Os pacientes ainda afirmaram fazer uso das substâncias na forma de consumo de óleo, fumando a flor da Cannabis seca, ou ambos.
Na avaliação dos próprios pacientes, em uma escala de 1 até 5, os benefícios gerais do uso de fitocanabinoides atingiam a nota de 3,5/5. A efetividade do uso para tratamento de dor recebeu nota 3,7/5; e, no quesito qualidade de vida, 3,6/5. Pesquisadores notaram que substâncias com maiores quantidades de THC e o uso de flores de Cannabis (em comparação ao óleo) tiveram melhor avaliação dos pacientes.
O efeito negativo mais comum relatado pelos pacientes é boca seca, com 65% de menções. Outros efeitos significativos, mas menos prevalecentes, são piora no humor (descrito por 3 pacientes), ansiedade e alucinações (para apenas 1 paciente).
De acordo com o relatório final dos pesquisadores: “CM (Cannabis medicinal) parece mitigar a atividade muscular distônica e a dor relacionada. Os efeitos colaterais psiquiátricos do tratamento com CM devem ser monitorados especialmente após o início do tratamento. Um recorte maior deve ser investigado para determinar a eficácia da CM, mecanismo de ação, doses ideais e a melhor relação THC/CBD para o tratamento da distonia.”
publicação original: https://www.cannabisesaude.com.br/distonia-estudo/amp/